Eurídice Gusmão estava ajudando seus pais portugueses na quitanda quando foi avistada por Antenor Campelo. Recatada e incapaz de ceder ao charme do bem sucedido funcionário do Banco do Brasil, torna-se imediatamente a esposa dos sonhos do rapaz solteiro. E assim, a partir de um casamento meio arranjado, conhecemos uma das protagonistas mais inteligentes e igualmente ofuscada pela sociedade machista de patriarcal. A irmã mais nova de Guida, mais comedida e, portanto, mais fadada ao sucesso feminino da década de 1940: boa esposa, boa mãe e boa filha.
Desde jovem, Eurídice apresenta postura adequada, mas uma inteligência com a qual o marido nem os demais homens ao seu redor lidam bem. Incapaz de ser apenas mãe, Eurídice dedica-se a cozinhar como uma chefe de cozinha e costurar modelos de alta costura por quantias módicas para as vizinhas. Ambas as tentativas de socialização e autodescoberta da jovem são imediatamente podadas pelo marido Antenor, que recita insatisfação várias vezes no livro e nas "Noites de Choro e Uísque". Nestas, Antenor questionava-se porque havia casado com uma vagabunda que jamais sujaria os lençóis de sangue em seus momentos intuímos.
"A Parte de Eurídice Que Não Queria Que Eurídice fosse Eurídice" é uma espécie de alter ego que concretiza as dificuldades e coisas boas da vida que foram retiradas de Eurídice ao longo da vida. Assim, todas as vezes que me deparava com esta longa frase de iniciais maiúsculas, uma lembrança a protagonista era trazida à tona e mais uma vez, os lembretes de que viver como mulher no século XXI é apenas sobreviver, mas já fora pior.
A grande surpresa do livro não está no que nos entrega o título, na simples vida invisível de Eurídice, mas em todas as vidas femininas ali, escondidas. Ambientado na cidade do Rio de Janeiro durante o governo de Vargas, o livro instaura suas histórias de amores e agonias e inúmeras mulheres cariocas. Com a visceralidade do naturalismo de Álvares de Azevedo, Martha Batalha entrega cenas de pessoas com dentes apodrecidos, inveja doentia e estupros com a mesma naturalidade que pinta as belas cores da Vila Isabel e a vida serena das donas de casa de classe média-alta.
Enquanto as fofoqueiras da Vila Isabel tentam entender a vida de Eurídice, Guida está desaparecida, vivendo apuros no Estácio e em outros cantos cariocas assolados pela gripe espanholas e enfermidades da alma. O contraste entre o Rio de Guida e o Rio de Eurídice, mostra como nós mulheres somos os primeiros atingidos pelas fortes e infelizes ondas da felicidade que nos rodeiam.
O livro traz todas essas emoções em narrativa em terceira pessoa sob esporádica a visão das várias personagens, o que parece útil ao narrar de forma holística, mas entra em certo desalinho com o título. Como já comentei, além de me relembrar obras naturalistas, o estilo de Martha me recorda narrativas mais melancólicas de Jorge Amado, como Mar Morto. E, comparar o segundo livro da autora ao meu modernista brasileiro preferido, coloca Martha em um grau de excelência de escrita.
Apesar de sua recente adaptação para o cinema, diversos aspectos do livro foram reformulados para a versão cinematográfica. Confesso que me apaixonei mais pela versão visual da obra, mas não deixei de apreciar o texto corrido de poucos diálogos, com excelente ambientação e criação de personagens que é A Vida Invisível de Eurídice Gusmão.
Páginas: 192 ✦ Editora: Companhia das Letras
Livro recebido em parceria com a editora
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Esse livro retrata a realidade de nossas bisavós não é?
ResponderExcluirMulheres que eram forçadas a ser apenas donas de casa enquanto queriam e tinham potencial para ser muito mais.
Parece ser daquelas histórias que prendem e que nos faz dar valor a nossa vida.
Milane!
ResponderExcluirConfesso que não conhecia a autora, o livro e nem sabia que já tinha uma versão cinematográfica.
A abordagem de temas feministas nos anos 40, é até interessante para aprendermos como era a sociedade carioca da época e o comportamento masculino.
cheirinhos
Rudy
Admito que ainda não sabia nada sobre este livro,mas lendo a resenha a gente percebe que é como voltar ao passado e sentir na pele o que nossos antepassados viveram. A submissão nua e crua.
ResponderExcluirMas mesmo assim, com a pegada de "não quero isso".
Se tiver oportunidade, lerei sim!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor
Olá!
ResponderExcluirNão sabia que o filme era uma adaptação literária. Estou doida para ver nas telinhas. Uma pena não ter conseguido "entrar" para o Oscar.
Beijocas.
É um livro um tanto diferente. Confesso que a vida feminina e esse tempo e onde passa me chamou atenção. Não li muita coisa desses tempos em livro assim, fora de história e essas coisas. Um romance ambientado sempre deixa a gente com aquela sensação de proximidade e de ver as coisas naqueles tempos. A vida as mulheres chama atenção e dá pra ver que vai mostrar muita coisa difícil, muito problema e uma visão interessante das coisas. Acho que iria gostar de ler.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirNão tinha conhecimento do livro, mas tem uma premissa muito boa. A trama é bem interessante e a de como fala sobre as mulheres da época. Gostei muito e espero ter a oportunidade ler.
Meu blog:
Tempos Literários
Oi, Mylane
ResponderExcluirO livro aborda um assunto um tanto doloroso para nós mulheres, tendo em vista que em muitos lares atualmente não mudou muita coisa.
Claro que quero ter oportunidade de ler e ver o filme, beijos.
Oi, Mylane
ResponderExcluirEu não conhecia esse livro, mas já quero!
Que história!
Pelo jeito traz tantas reflexões, inquietações, e uma mulher de fibra que terá que lutar com tantos problemas que infelizmente ainda vivemos.
Já vai pra lista!
Bjs
Eu gosto de como o livro aborda a questão da mulher invisível Eu soube também do livro depois que teve o filme com Fernanda Montenegro que foi até mesmo censurado aqui no Brasil e só por isso eu vou ler o livro mesmo que o livro seja ruim até porque censura é muito pior
ResponderExcluirOi, Mylane!!
ResponderExcluirQue livro e que história!! Infelizmente existiu muitas "Eurídice" e não duvido que ainda possa ter algumas ainda hoje, e triste saber i quanto nossas avós e bisavós sofreram primeiro com filhas que tenha que obedecer os pais e depois com os maridos que eram donos da vida delas.
Bjs
Olá! Ainda não conhecia esse livro, mas achei a trama interessante ao trabalhar assuntos importantes.
ResponderExcluirAinda não conhecia esse livro, mas se tiver a oportunidade com certeza vou querer ler este livro.
Muitooo obrigada pela indicação! Beijos!
Não conhecia esse livro que retrata como era a verdadeira vida de varuas mulheres antigamente. Atualmente é possivel encontrar mulheres que vivam como Euridice, é difícil, mas não impossível.
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