Jus tem dezessete anos é um dos melhores alunos do colégio onde estuda com bolsa integral, além de estar concorrendo a uma vaga em uma das universidades da Ivy League. Sua vida tem de tudo para ser um sucesso e Jus realmente acredita nisso, porque ele se esforça muito e faz por merecer. Porém, tudo em que acredita se esvai quando, ao tentar ajudar sua ex-namorada bêbada, é agredido e detido injustamente por um policial que jurava que ele queria roubar o carro da garota.
Acredito que Cartas Para Martin, que narra um pedaço da história de um adolescente negro em um país extremamente racista, seja o retrato da nossa sociedade. Desde o episódio com o policial branco, a vida de Justyce mudou. Assim, como forma de desabafo e tentando ser a melhor versão dele mesmo, o jovem começa a escrever cartas para Martin Luther King Jr., ativista político e peça chave do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.
[...] Sempre pensei que, se eu me esforçasse muito e fosse um cidadão exemplar, não passaria pelas coisas que os OUTROS negros passam, sabe? É difícil aceitar que eu estava enganado.
[...]
Pode até não haver mais bebedouros separados para as pessoas "de cor", e racismo hoje em dia é crime, mas, se eu ainda posso ser forçado a sentar no chão de concreto com algemas apertando meus pulsos mesmo sem ter feito nada errado, é bem óbvio que temos um problema.
Cartas Para Martin é uma obra voltada para o público juvenil, então possui a linguagem bem acessível. A história é divida em dois momentos, digamos assim: existem as cartas que Jus direciona ao Martin Luther King, obviamente escritas em primeira pessoa e um narrador em terceira pessoa que acompanha cada passo do adolescente. Gostei bastante do estilo, porque a gente vê através dos olhos de outra pessoa as coisas que acontecem ao redor de Justyce ao mesmo tempo em que acompanhamos os seus sentimentos mais profundos através das cartas. Porém eu gostaria de ter tido essa mesma sensação com alguns outros personagens, como a Sarah-Jane, amiga e parceira de debate de Jus.
E por falar em Sarah-Jane, codinome SJ, me identifiquei demais com ela. É muito proativa, não tem medo de dizer o que pensa e se importa muito em lutar ao lado das minorias, mesmo sabendo dos seus privilégios concedidos unicamente por ser branca. SJ é dona de várias falas muito importantes no livro e eu fiquei muito feliz por Nic Stone ter feito essa personagem. Em compensação, temos Jared, que é o cara branco que JURA POR DEUS que não é racista e pior, não acredita que existe racismo. Ele é bem daquele tipinho "não sou racista, até tenho amigos negros", sabem? E nossa, fala cada coisa que deixa a gente espumando de ódio, como, por exemplo:
Jared: [...] Vamos aos fatos, sim? Eu sou o segundo colocado da nossa turma, sou o capitão do time de beisebol, presto serviço comunitário nos fins de semana e tirei notas melhores que o Justyce nas provas de admissão para as universidades... Só que ele ficou entre os primeiros colocados de Yale, e eu, não. É um fato que isso aconteceu porque ele é negro e eu sou branco.
[...]
Jared: Não, cara, não vem com essa de "dar um tempo". Você, mais do que qualquer um, sabem muito bem o que eu tive que ouvir do meu pai por ter ficado na lista de espera. Foi péssimo.
Manny: Mas isso não tem nada a ver com o Jus, cara.
Jared: Tem, sim. Ele pegou a vaga que era para ser minha, porque a Yale tem que preencher a cota...
Obviamente essa raiva que sentimos do personagem é puramente proposital, porque serve pra fazer a gente pensar. Por exemplo, já pararam para pensar quantos professores negros vocês tem? Ou quantos negros ocupam cargos de poder? E, quando ocupam, quanto tempo a mais levam para chegar lá em comparação à pessoas brancas? Todos esses pontos são muito bem abordados por Nic Stone, além, é claro, do racismo policial que é o foco.
Outro ponto muito interessante que tem a ver, inclusive, com o parágrafo anterior, são os pais do melhor amigo de Jus, Manny. Eles representam a pequena parcela de negros que são exceção, ou seja, são ricos e possuem cargos mais altos nos empregos, e são constantemente usados como exemplo para provar que pessoas negras têm as mesmas oportunidades que as brancas — desde que estejam dispostas a batalhar por isso, é claro, rs.
Apesar da narrativa simples, muitos trechos são muito pesados e tristes justamente por causa do realismo que o livro apresenta. A história de Justyce é ficção, mas quantas pessoas passam por isso diariamente? Existem muitas passagens marcantes e emocionantes, mas ainda acho que a construção da trama, de forma geral, foi muito rápida. Em vários pontos a autora joga informações sem desenvolvê-las de verdade e eu senti muita falta disso.
Acho que Cartas Para Martin, apesar do final abrupto e, na minha opinião, um pouco controverso, é daquele tipo de livro que realmente desenvolve os ideais de Martin Luther King ao mesmo tempo que mostra de forma bastante didática que estamos longe, muito longe, de alcançar a sociedade igualitária de que tantos falam.
Título Original: Dear Martin ✦ Autora: Nic Stone
Páginas: 256 ✦ Tradução: Thaís Paiva ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora
Ajude o blog comprando através do nosso link!
Páginas: 256 ✦ Tradução: Thaís Paiva ✦ Editora: Intrínseca
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A gente segue sonhando com essa sociedade igualitária a todos nós, mas infelizmente essa pandemia tem trazido tanta coisa ruim e o lado desses conflitos entre policiais brancos com meninos ou homens negros, tem sido frequente demais nos jornais e isso traz uma tristeza danada!
ResponderExcluirPrimeira resenha que leio sobre o livro e com certeza, já quero muito ter a oportunidade de ler.
Sem contar a edição da Intrínseca que deve estar um arraso de linda!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
A Intrínseca realmente arrasou na publicação desse livro (de forma geral). E sim, parece que a pandemia veio pra piorar tudo, né?
ExcluirMais um livro que todos os jovens e não tão jovens devem ler. Para entender como é a vida de um jovem negro em um país tão racista, onde se atira ou bate e depois se pergunta o nome.
ResponderExcluirTambém achei super interessante Justyce, nome bem escolhido aliás, "enviar" cartas a essa figura tão icônica como Martin Luther King
O nome dele tem tudo a ver com a história dele.
ExcluirE concordo, o livro tinha que ser lido pra todo mundo!
Meu Deus, lendo a primeira arte da sua resenha, só consegui sentir ódio e rancor, ainda mais por ser negra também. É algo tão ridículo, pensando na menor das palavras! Faço medicina e garanto a você que de 30 alunos, não chegam a 5 negros. É uma situação que precisa mesmo ser mostrada e discutida.
ResponderExcluirAcho que pela linguagem mais jovial, o livro pode ser mais fácil de ser entendido ne?Parece uma leitura necessária.
Abraços
Eu faço engenharia e os negros são minoria, inclusive no corpo docente! Eu não entendo quem é contra cota, sinceramente. Fico muito chateada, de verdade.
ExcluirGosto muito que vocês sempre trazem esses livros com temas importantes e necessários de serem mais discutidos. A premissa do livro é muito boa e parece ser de fácil entendimento, embora bem pesado.
ResponderExcluirBeijos
Amanda, estamos aqui pra isso! Além de indicar livros bons, manter discussões sobre temas importantes. Fico feliz que goste!
ExcluirOlá! Mais um livro de ficção que nos apresenta um enredo para lá de real, é bacana que o livro nos permite refletir sobre nossas próprias ações em relação ao tema, e nos faz enxergar que de fato estamos muito longe de uma sociedade justa, que não julga o indivíduo por sua cor, religião, orientação sexual...
ResponderExcluirSe tem uma coisa que não somos é justos, né? Triste realidade.
ExcluirTava lendo esses dias sobre esse livro em outro blog, e achei ele super necesssário. Um livro que conta com um protagonista negro já é um grande avanço. Uma pena a sociedade andar tão devagar quando o assunto é racismo. Espero ter a oportunidade de ler esse livro!
ResponderExcluirLegal saber que outros blogs estão divulgando esse livro, viu?
ExcluirJa vi esse livro em outros blogs mas nao tinha lido nenhuma resenha.
ResponderExcluirÉ um livro que retrata que o racismo ainda esta presente na nossa sociedade .
Náo podemos acomodar com essa situaçao achar que nada vai mudar
E acho que leituras assim nos abre mais os olhos para essa terrivel realidade de racismo
E tem gente, como o personagem do livro, que acha que não existe mais racismo né? Dá raiva demais.
ExcluirMe lembrou o estilo de ódio que você semeia. Aquelas mesmas questões, policial fazendo julgamentos... Julgamentos e mais julgamentos. A gente quer igualdade, mas isso existe? Porque não parece. Não parece mesmo que exista isso na nossa sociedade, parece que existe tentativa e só erro atrás de erro. Ver histórias assim, que mostram o lado de quem ta literalmente vivendo isso na pele , essa desigualdade e injustiça, desanima qualquer um. Mas é uma luta e a esperança de que um dia as coisas melhorem. Não só pro povo que sofre, mas pra gente branca que não enxerga e que faz coisas todas os dias. E são histórias do tipo, que fazem a gente pensar, a gente passar raiva e se questionar, que começam uma mudança interna em cada um. Deu vontade de ler e achei super interessante a ideia das cartas pro personagem histórico. Um detalhe de peso. Achei legal. Tem um pano de fundo forte e parece um livro bom.
ResponderExcluirSim, dá pra ligar com O Ódio que Você Semeia, mas acho a narrativa da Angie Thomas um pouco mais pesada.
ExcluirOuço muita gente falar bem desse livro no Twitter e achei a premissa dele bem interessante, amiga. Esses livros são sempre difíceis de ler, mas extremamente importante - especialmente para jovens leitores que estão formando sua visão de mundo.
ResponderExcluirOs Delírios Literários de Lex
É isso, amiga. 💖
ExcluirÓdio, passei raiva demais nesse livro com esse personagem, cê num tem ideia.
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