Cho Nam-Joo, autora de Kim Jiyoung, Nascida em 1982, disse em uma entrevista que "a vida de Kim Ji Young não é muito diferente da que vivi. Eu acho que foi por isso que consegui escrever tão rapidamente sem muita preparação. As mulheres têm mais ou menos o mesmo tipo de experiência em suas vidas. Por exemplo, quando você encontra um homem desconhecido em um local isolado, você se sente ameaçada – mesmo que ele não esteja te seguindo particularmente. São esses tipos de coisas que reuni neste romance."
E é por isso que a protagonista, nascida em 1982, recebeu o nome mais registrado na Coreia do Sul no ano de seu nascimento. Porque Kim Jiyoung representa todas as mulheres, vivendo situações que são consideradas normais e corriqueiras, como ser discriminada e assediada.
Jiyoung tem 33 anos quando o livro começa. Casada e com uma filhinha, a mulher começa assumir a voz de outras mulheres, deixando seu marido preocupado. Então o romance revisita toda a vida de Jiyoung, com capítulos delimitando cada fase da sua vida, desde a infância, quando já começamos a acompanhar as sutis violências de gênero sofridas pelas meninas coreanas.
Tenho visto muitas pessoas usando esse livro para falar sobre o machismo na Coreia do Sul. Não sei se essa demarcação é tão verdadeira assim. Porque, sinceramente, a maioria das situações vividas por Jiyoung são situações que as mulheres enfrentam em qualquer lugar do mundo. Uma passagem que me perturbou muito foi quando Jiyoung percebe estar sendo seguida por um homem tarde da noite. Ele até pega o mesmo ônibus que ela e desce na mesma parada. Tive reações físicas de ansiedade lendo essa cena. Qualquer mulher sabe o pavor que algo assim gera em nós.
Por outro lado, o livro apresenta mesmo algumas particularidades sul-coreanas. Cho teve o cuidado de consultar estatísticas e dados oficiais para compor seu romance (todos referenciados em notas de rodapé), certamente temendo a repercussão negativa de um livro que denuncia violências tão naturalizadas. E ela estava certa, porque, apesar do sucesso, o livro gerou discussões calorosas em seu país de origem.
Uma das informações que mais me chocou foi a de que, até o início dos anos 90, era permitido, na Coreia do Sul, o aborto de meninas, pelo simples fato de serem meninas. Isso só parece ter mudado porque gerou uma disparidade no número de homens e mulheres. Então, sim, tem algumas informações bem específicas da Coreia do Sul, mas, no geral, o livro poderia ser sobre qualquer mulher em qualquer parte do mundo.
A vida de Jiyoung é apresentada ao leitor em detalhes, desde sua infância, quando começou a perceber que tinha direitos e deveres muito diferentes daqueles que se irmãos homens tinham. Durante a adolescência, Jiyoung teve de lidar com as regras de vestimenta e comportamento e percebeu que as garotas eram sempre culpadas por despertarem desejo sexual nos homens. Conheceu as cobranças da vida adulta de uma mulher, a diferença salarial em relação aos homens e a imposição para ser mãe. Tudo isso é mostrado no livro, evidenciando as pequenas e grandes violências sofridas pelas mulheres em diferentes fases da vida.
O livro é narrado numa sequencia de acontecimentos e pontuado com informações oficiais e dados estatísticos. É uma ficção que parece não-ficção e acho que essa realmente era a intenção da autora. Uma leitura rápida, com menos de 200 páginas, mas que não é nada leve. Eu marquei várias e várias passagens e fiquei com o coração apertado em muitos momentos. Empatia, raiva e tristeza foram os sentimentos predominantes para mim durante essa leitura.
Só para que vocês entendam como são apresentados esses dados e pesquisas ao longo do romance, vou colocar um exemplo aqui:
Em 2005, quando Kim Jiyoung se formou, uma pesquisa realizada por um site de busca de empregos revelou que apenas 29,6% dos novos contratados em cem empresas eram mulheres, o que foi mencionado como um grande avanço. Outra pesquisa realizada no mesmo ano demonstrou que, entre os gerentes de recrutamento de cinquenta grandes empresas, 44% dos participantes disseram “preferir contratar homens a mulheres com qualificações equivalentes”e ninguém “contrataria mulheres em vez de homens.
Ou seja, a autora insere sua personagem num contexto realista e comprova isso com pesquisas e dados oficiais. Eu gostei muito desse recurso e achei que ficou muito natural e ajudou a dar embasamento para as situações vivenciadas por Jiyoung.
Eu adorei o livro e a edição está linda. A capa chama a atenção e o livro merece o sucesso que vem alcançando. Na verdade, Kim Jiyoung, Nascida em 1982 é uma publicação original de 2016 e já tem até adaptação cinematográfica. O filme, lançado em 2019, reacendeu os debates sobre discriminação de gênero na Coreia do Sul. Algumas celebridades sul-coreanas já indicaram e elogiaram a história e, dentre elas, algumas foram fortemente criticadas por isso.
Kim Jiyoung, Nascida em 1982 conta a história que todo mundo conhece, mas que ninguém gosta de comentar. É aquela realidade feia que a gente prefere não olhar. E por isso é tão controverso. Eu amei essa leitura. Como mulher, me sinto segura para dizer que não há exageros ou mentiras no livro. É um retrato realista do que é ser uma mulher.
Título Original: Palsip Yi Nyeon Saeng Kim Jiyoung ✦ Autora: Cho Nam-Joo
Páginas: 176 ✦ Tradução: Alessandra Esteche ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora
Esse livro é um tapa na cara da sociedade, um alerta para tantos absurdos que ainda acontecem, e que ainda são tratados como algo normal, que simplesmente acontece.
ResponderExcluirDanielle Medeiros de Souza
danibsb030501@yahoo.com.br
Deve ser uma leitura angustiante, por ser bem próxima da realidade. Essa situação do ônibus é tão comum...
ResponderExcluirGostei que a autora pincelou elementos reais na história.
Priscila!
ResponderExcluirLivro parece forte e com assunto que não diz somente a Coréia do Sul, mas a todos as mulheres espalhadas pelo mundo, inclusive o BRasil.
cheirinhos
Rudy
Olá
ResponderExcluirNão conhecia o livro
Mas é uma realidade que as mulheres passaram e muitas ainda passam em qualquer lugar do mundo.
Mas mesmo sendo uma realidade comum cada país tem uma cultura. E é sempre bom conhecer esses costumes essa cultura.
Primeira resenha que leio sobre esse livro que só tinha visto a capa e já achado linda, mas o enredo está maravilhoso demais!! Sim, há toda uma representação da Mulher no enredo, não somente lá, mas como você mesma disse, no mundo todo. O medo, esse sentir na carne quando outra mulher passa pelas mesmas coisas é tão real, que assusta!
ResponderExcluirCom toda certeza, já é um livro que preciso ler urgente!!!
E sentir...
Beijo
Angela Cunha/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Já queria ler esse livro qdo via o barulho que ele tava fazendo la na coreia qdo umas cantoras de kpop compartilhou q estava lendo e to muito feliz q seja lançado aqui pois ansiosa em ler. Queria q traduçao fosse direta do coreano, mas é o que temos rs
ResponderExcluirOlá! Parece ser um livro muito necessário, como você pontuou apesar de contar a história de uma mulher da Coreia do Sul, poderia ser a história de muitas outras mulheres pelo mundo (infelizmente).
ResponderExcluirTerminei o livro recentemente é fiquei perplexa do quanto nenhuma dessas situações de abuso são incomuns. Nada me chocava, porque era real, esperado e isso é de entristecer. Pude ver as personagens da história como minhas amigas, tias, avôs e o pior desse livro é saber que não se trata apenas de uma leitura de ficção, ele infelizmente se estende e tem ressonância direta com a realidade que vivenciamos.
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