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22 de abril de 2023

Vamos falar sobre Ao Paraíso, a polêmica Hanya Yanagihara e escolhas difíceis


Depois de nos levar ao inferno com Uma Vida Pequena, a polêmica Hanya Yanagihara ressurge, 7 anos depois, com seu novo calhamaço, Ao Paraíso. O novo romance de Hanya tem público garantido, já que seu livro anterior, apesar de muito controverso, conquistou uma legião de fãs (inclusive eu). Porém, não dá para ignorar as diversas falas polêmicas e posicionamentos no mínimo problemáticos da autora. Então, nesse post, falarei um pouco sobre o que eu achei do novo livro de Hanya, sobre algumas das polêmicas envolvendo a autora e sobre a difícil arte de fazer escolhas.

Uma Vida Pequena é um dos meus livros preferidos da vida. Chorei de soluçar durante a leitura e ainda me pego pensando naquela história e nos seus personagens. É sim um livro muito pesado, com cenas tristes, perturbadoras, grotescas e chocantes. Obviamente, não é um livro para todos. Eu, como psicóloga, posso afirmar que não tem nada de inverossímil nessa história. Digo isso pois vejo muitas pessoas falando que não é possível tanta coisa de ruim acontecer com uma única pessoa e que a autora certamente estaria exagerando. Mas afirmo com certeza que ela não exagerou. Não é comum (felizmente), mas existem os Judes da vida real (infelizmente).

Eu não sou uma leitora muito sensível. Então, pra mim, a leitura de Uma Vida Pequena foi forte, marcante, dolorosa, mas não traumatizante (como eu sei que foi para algumas pessoas). Na verdade, meu único problema com o livro é a forma como Hanya escolheu mostrar uma falta de eficácia do processo de terapia psicológica. A autora até já declarou que não acredita em psicoterapia. E minha opinião sobre isso é apenas uma: NEGACIONISTA! Porque terapia não é religião, você não pode escolher acreditar ou não. Psicoterapia é CIÊNCIA.

Essa é apenas uma dentre as muitas polêmicas envolvendo Hanya Yanagihara. Vou abordar mais algumas ao longo desse texto. A questão é que escolher ler outro livro seu foi uma escolha difícil pra mim. Hanya é uma pessoa fechada, com opiniões fechadas e que não tem se mostrado disponível para dialogar e aprender. Inclusive, ela também já declarou que não lê críticas e resenhas de seus livros. Tudo isso fez com que eu fosse para essa leitura com uma mão no livro e a outra na consciência.

Eu amo livros que me fazem ter emoções intensas. Amo sentir coisas lendo. Minhas memórias com livros são sempre atreladas a sentimentos. Crime e Castigo: ansiedade. Lolita: raiva. Uma Vida Pequena: tristeza. Então, essa era minha maior expectativa com essa leitura: eu queria sentir algo.

Ao Paraíso tem uma sinopse promissora e bem diferenciada. Três histórias, três épocas diferentes. 1893, 1993 e 2093. Um século separa uma história da outra, mas elas têm muito em comum. Uma Nova York do século XIX alternativa onde casamentos entre pessoas do mesmo sexo são normais, uma Manhattan assolada pela AIDS e um mundo devastado por pandemias e governado com autoritarismo.

O romance é dividido em livros. O livro I é digno de uma romance de época, com charretes, lamparinas e casamentos arranjados. Porém, nessa realidade imaginada por Hanya, casamentos podem ser arranjados também entre dois homens ou duas mulheres. Seria perfeito, certo? Bom, quase. Mas e se você fosse um herdeiro e se apaixonasse por um músico pobretão? E se existissem motivos para você acreditar que seria melhor não confiar nessa pessoa? Você trocaria segurança por liberdade? Estabilidade por aventura? O certo (que não te faz feliz) pelo duvidoso (que pode te fazer feliz, mas também pode te deixar ainda pior)?

No livro II, Hanya inverte um pouco as coisas. E se você se relacionasse com alguém muito mais velho que você e muito mais rico? Sua família aceitaria bem? Esse relacionamento não faria você se sentir inferior? E como fica a dinâmica de poder em um relacionamento assim? Ah, e também tem o fato de que, diferente de você, ele é branco. E tudo isso em meio a uma epidemia de AIDS. Essa parte do livro me lembrou muito de Mrs. Dalloway, da maravilhosa Virgínia Woolf. Um longo capítulo que relata a passagem de um único dia e uma festa para alguém que está morrendo. O final da parte 1 do livro II me emocionou bastante.

O livro II é dividido em duas partes e a segunda é bastante tocante. Resumidamente (e evitando spoilers), é como se fosse uma carta de um pai para seu filho. Vou deixar um trechinho aqui que eu achei bem forte:

Eu tinha desperdiçado minha vida, mas você não ia me deixar desperdiçar a sua. Por isso fiquei orgulhoso de você por ter me deixado para trás, por fazer o que eu não tinha sido capaz.

É também no livro II que Hanya explora assuntos relacionados à anexação do Havaí aos Estados Unidos. A autora, que cresceu no Havaí, retrata o processo pelo qual o território deixou de ser uma monarquia e passou a ser apenas um estado do país norte-americano. Pesquisando sobre o assunto, pude perceber que a autora tomou algumas liberdades criativas, mas, no geral, a história criada por Hanya guarda muitas semelhanças com a história real. Foi interessante ler sobre esse processo e sobre como isso afetou as pessoas de formas diferentes.

Por fim, o livro III ocupa toda a segunda metade de Ao Paraíso. Eu estava curiosa por essa parte da história, mas confesso que cheguei aos 50% do livro já bastante cansada (que livro grande 😓) e, para piorar, achei esse terceiro livro bem prolixo e com muitos parágrafos desinteressantes, apesar do contexto ser muito interessante: um mundo em colapso político, econômico, humanitário e de saúde. Pra nós, que acabamos de vivenciar uma pandemia, essa parte da história é bastante familiar.

Ultimamente, me pego pensando cada vez mais que, dentre todos os horrores que as doenças infligiram, um dos que menos se discute é a forma violenta como elas nos dividiram em categorias. A primeira e mais óbvia divisão é a dos vivos e o dos mortos. Depois vêm a dos doentes e dos saudáveis, dos enlutados e dos aliviados, dos curados e dos incuráveis, dos que têm seguro de saúde e dos que não têm. A gente monitorava essas estatísticas; a gente tomava nota.

Assim como vimos em Uma Vida Pequena, Hanya escolheu majoritariamente protagonistas homens para sua nova história. O que, na minha opinião, é no mínimo curioso. Por que uma mulher escolhe contar histórias pela perspectiva de homens? E a resposta para essa pergunta pode estar em uma entrevista dada pela autora. Ao ser questionada com "E se Uma Vida Pequena tivesse protagonistas mulheres?", Hanya respondeu que o livro seria chato. Por que? Não sei.

Hanya Yanagihara também não acredita em "avisos de gatilho", pois ela não acha certo deixar de ler um livro por conta de um gatilho específico. Eu nesse momento sou aquele meme "Eu respeito seu posicionamento, mas eu acho que é um posicionamento burro". Porque eu até entendo o ponto que ela está tentando defender, mas a gente nunca sabe a dor que um gatilho pode causar em alguém. E seria muito fácil pra mim, por exemplo, que não tenho nenhuma sensibilidade maior com determinado tema falar "ah mas você vai deixar de ler um livro todo só porque tem uma cena com tal gatilho?". Talvez, se Hanya acreditasse em terapia, ela saberia que a exposição à conteúdos sensíveis só deve ser feita de forma controlada e cuidadosa e, de preferência, com acompanhamento profissional. Quando essa exposição é feita da forma errada, ela pode agravar a ansiedade e intensificar o trauma. Mas Hanya não lê críticas ao seu trabalho, então ela nunca vai saber disso. 🤷‍♀️

Ok, voltando ao livro (desculpa, me perdi na conversa). Eu continuo preferindo Uma Vida Pequena, principalmente porque Ao Paraíso não conseguiu me envolver tanto e os personagens não me cativaram tanto. Mas acho que terão muitas e muitas pessoas que vão preferir Ao Paraíso, pois o novo livro da autora está longe de ser tão pesado quanto o anterior. É melancólico, mas não chega a ser doloroso como seu antecessor.

Uma coisa curiosa sobre a escrita de Hanya é que ela é naturalmente melancólica. Lendo Ao Paraíso, eu me pegava sentindo tristeza sem saber o porquê. A maneira como ela narra é triste. As reflexões que ela faz são tristes. E mesmo quando os personagens estão vivendo momentos bons, há certa tristeza na narrativa.

Ao Paraíso consegue replicar algumas das maiores qualidades de Uma Vida Pequena: principalmente a escrita elegante e fluida de Hanya (que acontece na maior parte do livro, mas não nele todo). O livro é difícil de largar e, quando eu não estava lendo, eu estava pensando na história e querendo voltar logo para ela. Outra característica que Ao Paraíso e Uma Vida Pequena têm em comum são seus personagens realistas. Parece que, a qualquer momento, eu vou estar andando na rua e vou dar de cara com Jude, David ou Charles.

Ao Paraíso fala muito sobre escolhas, sobre nossa busca por felicidade e sobre tudo o que podemos perder nessa busca. Porque toda escolha é uma renúncia e nem sempre há uma escolha certa. Às vezes, a gente sabe exatamente o que vamos perder se tomarmos certa decisão, mas não temos ideia do que vamos ganhar. Incerteza e esperança coexistindo.

Essa leitura também me fez perceber que Hanya gosta de contar histórias pela perspectiva pessoas frágeis, inseguras e desajustadas. Portanto, não é difícil desenvolvermos afeição por seus personagens e até certo desejo de protegê-los. Meu lado psicóloga fica o tempo todo tentando diagnosticar seus personagens. kkkkkk

Confesso que passei o livro todo tentando entender porque Hanya decidiu unir essas três histórias em um único romance. Foi, de certa forma, uma decepção perceber que não existiam maiores conexões entre as diferentes histórias apresentadas no livro. Mesmo assim, a ciclonização evidenciada por Hanya nessas três histórias é tocantemente assustadora.

Mesmo assim, é uma leitura que vale a pena. Narrativa minuciosa e melancólica através de uma escrita majoritariamente fluida e poética. E a forma como todos os livros terminam com as mesmas palavras é realmente linda. A verdade é que estamos todos tentando chegar ao paraíso.

Título Original: To Paradise ✦ Autora: Hanya Yanagihara
Páginas: 720 ✦ Tradução: Ana Guadalupe ✦ Editora: Companhia das Letras

16 comentários :

  1. Uau!!
    Não sabia de todas as polêmicas da autora.
    Analisando bem, e friamente, faço parte daqueles que não entenderiam ou curtiram toda a complexidade dos livros da autora

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  2. Olá
    Vi muitos elogios ao livro Uma vida pequena mas nunca tive vontade de ler E lendo a sua ótima resenha desse novo livro da autora também não senti vontade de ler Embora a leitura seja fluída ,esse tom melancólico não me atrai.

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  3. Oii Pri,
    A falta de empatia dessa gata me da nos nervos, toda vez que eu lembro dessa fala dela dos gatilhos um pedaço de mim chora. Tenho o e-book desse livro aqui, mas confesso que não me sinto muito interessado nele e nem na autora em geral :(

    Beijos,
    https://brenshelf.blogspot.com/

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  4. Tinha lido sobre essas polemicas dela e talvez por isso tinha me desanimado em ler vida pequena. Nao estou tao interessada como antes, mas ainda assim qdo saiu esse livro me vi pensado e curiosa em saber sobre a historia.
    Esse negocio dela sempre focar em protagonistas masculinos é o que me deixa bem frustrada ainda mas com essa resposta q deu quando questionada... enfim, nsei se vou ler um dia.

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  5. Menina... Esse foi o melhor post que eu li nos últimos tempos! Seu texto me pegou de um jeito que muitos livros não têm conseguido fazer. Obrigada por isso!!! Sensacional. E sobre os livros, nunca li, tenho medo de ler uma vida pequena (tbm já sei o final) mas o paraiso fiquei com vontade de ler só pra conhecer a escrita da autora.
    Por mais posts como esse na minha vida!!! hehehehe Bjks

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  6. Uma Vida Pequena é um sonho em ter!!Mas o danado, mesmo sendo um calhamaço, custa um rim e meio fígado e no momento, tenho saúde não rs
    Mas não sabia desse novo trabalho e de polêmicas que os leitores amam né?
    Já preciso ler. Vou lá caçar o preço dessa belezinha rs
    Ah..eu amo quando há esses devaneios no meio da resenha! Mostra o quanto o livro está sendo e foi bom.
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  7. Oi xará, tudo bem?
    Que resenha maravilhosa! Parabéns!
    Eu queria muito ler Uma Vida Pequena, mas não tenho coragem, pelo menos por enquanto. Sou muito sensível a histórias dramáticas, sofro com elas por anos e fico melancólica e deprimida pensando nos personagens e nos fatos.
    Além disso, fiquei decepcionada com a autora após descobrir esses fatos que você narrou ao longo do post. Como alguém capaz de falar sobre coisas tão tristes e delicadas é capaz de desdenhar de gatilhos e processos terapêuticos? Fiquei meio chocada.
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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  8. Menina, passada que tem essa polemica, já estou mega curiosa para ler os livros.
    Amei o post, beijinhos

    lendocomrenata.com

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  9. Uau! Que baita resenha.
    Vou ser sincera: tenho 0 vontade de ler qualquer coisa dela, justamente por saber que esses dois livros são pesados. Uma vida pequena, definitivamente, não é para mim. Agora sabendo de tantas coisas sobre essa autora, fico com menos vontade ainda.
     Os Delírios Literários de Lex

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  10. Oiieee,
    eu tenho vontade de ler Uma Vida Pequena, mas o que me assusta são a quantidade de paginas.. quem sabe eu compre e leia em breve. A história parece ser bem interessante e fiquei bem curiosa pela trama.

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  11. Priscila!
    Livro enorme.
    Pelo que entendi, dois livros da autora que trazem gatilhos(e pelo visto, ela não se preocupa muitocom o leitor em relação a isso), muita dor, sofrimento e angústia... será que não é a projeção dos próprios confitos dela e das amarguras de sua vida que ela tenta transpor para o livro? E aind não aceita a opinião dos leitores, então para que escrever um livro se não para seus leitores? Ela sim precisa urgente de uma psicoterapia.
    cheirinhos
    Rudy

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  12. Sinceramente não conhecia a autora, e claro muito menos a sua escrita controvérsia. Mas o interessante de livros assim, é justamente ver o ponto de vista diferente do nosso, e poder refletir sobre.

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  13. Sou que nem você. Minhas memórias também são muito relacionadas a livros. Nunca tinha ouvido falar deste. Interessante e forte.

    www.vivendosentimentos.com.br

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  14. Eu só prefiro passa longe dos livros dessa autora 🤭. Nunca achei nada atrativo para querer ler.

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  15. Olá! Uma pena que uma autora com um potencial gigantesco para escrever histórias que nos tocam, seja assim tão negacionista em relação a assuntos tão importantes, o livro realmente tem uma sinopse que fisga o leitor, talvez se não soubesse de todas a polêmicas da autora teria ficado mais tentada em conferir.

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  16. Minha nossa, eu não sabia dessas coisas sobre a autora.
    Que triste, uma falta de consideração. Acho que você pode não gostar de terapia, mas não poder negar. É ciência e tem provas suficientes de sua importância.
    Me deixa um pouco triste saber disso, porque eu amei Uma Vida Pequena, tanto que eu comprei o livro físico. Eu passei por tantas emoções com esse livro.
    Ele é belo, uma triste bela arte, que infelizmente pode ser muito real.
    Tenho medo de pensar quantos Jude's pode existir por ai.
    E sobre os gatilhos, é meio revoltante o posicionamento da escritora.
    Eu sou alguém que bate o pé na hora dos gatilhos e quando indico um livro, reforço esse assunto porque sei que precisa de atenção. É a mesma coisa com a classificação de idade.
    Livros são bons, mas precisam ter o respeito de acordo com o publico e a história.
    Enfim, não conhecia esse novo livro dela até ver no google e já pretendo ler.

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