"O fenômeno da poesia jovem escrita por mulheres talvez tenha sido a maior conquista da literatura hoje." É assim que Heloisa Buarque de Hollanda abre a apresentação que faz para o livro Ninguém Quis Ver, de Bruna Mitrano, e eu não poderia concordar mais. Amo poesia escrita por mulheres, de Sylvia Plath a Rupi Kaur. E as nacionais têm um espacinho especial no meu coração, pois tem tanto da nossa realidade ali retratada, poética e cruamente.
Inclusive, essa junção de beleza e feiura na poesia me encanta. Bruna Mitrano, nesse aspecto, me lembrou Aline Bei, escolhendo e selecionando palavras bonitas para retratar verdades feias. Verdades essas que a poesia escrita por homens raramente aborda (ou se importa em abordar). Porque, assim como afirma Heloisa, a poesia das mulheres dá voz às mulheres e a tudo que nós silenciamos. É a expressão pela arte.
E quanta expressão. Lendo Ninguém Quis Ver eu me senti fazendo algo errado e sujo, como se eu estivesse lendo os diários da Bruna, lendo tudo aquilo que ela não ousaria contar para ninguém, mas que, na verdade, ela ousou sim. Ousou falar da pobreza que vivenciou, dos abusos que sofreu e de todas as dores que viveu e que viu as mulheres de sua família viverem.
Bruna fala sobre sua vida, que não é muito diferente da vida de muitas outras mulheres pobres e periféricas, que dedicam seu tempo deixando limpas e impecáveis as casas de outras pessoas, que não dormem um sono profundo e tranquilo quando há um homem ao lado na cama e que não suportam mais ter que dar conta de tudo.
O primeiro poema dessa coletânea já me arrebatou, com Bruna falando sobre seu amor pelo mar e sobre não morar (tão) perto dele. No caso de Bruna, são setenta quilômetros de distância. No meu caso, são setecentos. E, sim, eu concordo com você, Bruna: só esquece do mar quem mora perto do mar.
A forma como a Bruna explora os aspectos mais sutis da pobreza é tocante: do cabelo ressecado ao calçado apertado e a sopa rala. Sua infância marcada pela preocupação em economizar e não desperdiçar. Terminei o livro com vontade de colocar a Bruna num potinho e protegê-la.
O tema da pobreza permeio o livro todo, mas os poemas vão além disso. O poema denominado 1989, por exemplo, fala sobre os abusos que a autora sofreu. Esse poema me dilacerou. Outro, denominado Nome Próprio, me revoltou, pois retrata o modo como as mulheres são sempre vistas como propriedades de alguém (na maioria das vezes, de um homem).
E quando Bruna disse: "Você é uma criança, não tem que aguentar nada disso", eu só quis deitar em posição fetal e chorar um pouquinho. Amei fazer essa leitura e me lembrarei desses poemas por muito tempo. Você é uma poetisa e tanto, Bruna.
Título Original: Ninguém Quis Ver ✦ Autora: Bruna Mitrano
Páginas: 94 ✦ Editora: Companhia das Letras
Livro recebido em parceria com a editora
Com certeza uma leitura que emociona e revolta. Que nos aproxima da autora.
ResponderExcluirPreciso voltar a ler poesia especialmente nacional e feminina
Heloísa que foi para a cadeira mais linda da Academia Brasileira de Letra na semana que passou? Heloísa que é uma feminista raiz, que sempre provocou a luta da mulher em tudo que ela quiser, abrindo um livro que deve ser lição em cima de lição, do começo ao fim!!!
ResponderExcluirBruna é uma abençoada com certeza!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Que delícia, né? Deu vontade de ler
ResponderExcluirOlá
ResponderExcluirConfesso que não sou muito leitora de poesia independente de ser escrito por homem ou mulher não faz muito o meu estilo de leiturja .Mas lendo a sua análise dá para notar que a autora traz uma realidade presente na vida de muitos de nós.
Nussa!
ResponderExcluirNao tinha visto esse livro ainda, mas algumas fotos de poemas do livro ja me deixou curiosa e com vontade de ter ele aqui pra ler os outros.
Colocando na minha listra pra ler!