O livro é dividido em quatro partes, sagazmente nomeadas e com cadência de leitura que engaja. Capítulos curtos sem perder o poder de contar a história de vários personagens em paralelo. Escrito em primeira pessoa para uma segunda, é uma espécie de carta aberta de filho para pai.
Esta história é ainda a história de uma ferida aberta.
Pedro é o filho. Um jovem universitário, futuro arquiteto, tímido e claramente ainda buscando um lugar no mundo. Um lugar como homem preto em Porto Alegre. Henrique é o pai. Professor secundarista desacreditado no poder da educação, carrega um amor pela literatura que permeia passagens do romance.
A história comum contada no livro ganha sua autenticidade ao costurar em uma linearidade que prende. A temporalidade das histórias de pai e filho, além da mãe e outros personagens relacionados, às vezes é alternada entre capítulos. Um vai e vem na linha do tempo dessas vidas entrelaçadas.
À medida que as histórias são contadas, sobressaem-se as nuances da negritude. Questões como colorismo, condições sociais, aparência e gêneros são decisivas para determinar a vivência de uma pessoa negra no Brasil. Pedro observa esses detalhes nos personagens e traz suas observações na narrativa, de uma maneira muito natural, uma relação com os temas que apenas outra pessoa preta poderia ter.
Além dos temas relevantes à negritude, as estratégias de sobrevivência de cada uma dessas personagens, certamente foram pontos de identificação para mim. Ser constantemente abordado pela polícia, nunca ser notado nas festas, ver as pessoas recolhendo pertences com sua chegada. Como negra, não passei por todas as situações abordadas, mas também foi importante ter a consciência dos outros recortes de negritude, através de um romance, com seu viés literário porém muito conectado da realidade.
Outro recorte que particulariza O Avesso da Pele é a ambientação. A história acontece no Sul do país, onde a maior parte da população é branca e ser negro pode ser desafiador. E com esse delineamento, fica mais claro que ser negro pode ser muito diferente dependendo do espaço que ocupamos.
Ao caminhar por Porto Alegre, você se sentia sem lugar. Porque, toda vez que você saía para caminhar, tinha a impressão de estar invadindo um espaço. Bastava dar uma olhada para perceber que você não podia pertencer àquilo, mas acontece que você insistiu. Permaneceu. Porto Alegre era um lugar que você construiu fora de si. Você nunca esteve dentro dela.
Outro aspecto que me identifiquei no livro foi o papel do educador, o quão exaustivo e transformador é ser professor do ensino público. As passagens do livro que Henrique democratiza o entendimento de Crime e Castigo e como o impacto em apenas um aluno já é satisfatório, revelam a importância desse papel.
Com todas as questões sociais trabalhadas, ainda sobra espaço para brever análises psicológicas e de sentimentos. É um romance completo, um retrato muito fiel de como é ser negro no Sul do Brasil, como é lidar com o ódio gratuito de racistas e ainda assim, seguir em frente com a força de filhos de Ogum como Henrique.
Lembro o dia em que você me disse que sua cabeça era de Ogum, e que isso era ter sorte, porque Ogum era o único orixá que sabia lidar com abismos.
Um livro nacional importante e necessário. Com uma temática que é sempre atual.
ResponderExcluirUm livro que ensina e emociona
Lidar com abismos...como deve ser triste viver em um mundo onde o racismo persiste e existe. Velado, escancarado, mas aqui, entre nós, muitas vezes dentro de nossa própria família.
ResponderExcluirEsse livro é somente elogios desde o lançamento e eu acredito que em futuro breve, ele irá fazer parte do currículo escolar, pois é uma leitura necessária e que deve ser lida por todos nós!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Comentei a mesma coisa com a Ana (aqui do blog)! A mudança da nossa sociedade e só acontecerá com a conscientização, um bom lugar para começar isso é nas escolas :)
ResponderExcluirObrigada pelo comentário,
My.
Quero ler esse livro e alem da questao de racismo do livro deve abordar, esse lado educador que vc falou tb é beeem interessante. Espero conseguir ler ele em breve.
ResponderExcluirOlá
ResponderExcluirUm trama real ,relata os desafios dos negros,sempre tendo que se esforçar mais que os brancos ,ainda hoje vemos situações de racismos infelizmente(Vejamos o caso do jogador Vinícius Junior).e isso é dolorido, é cruel.
Oiiie,
ResponderExcluirMuitos leitores falam super bem desse livro. Quero muito poder ler esse livro. Nos dias atuais ainda existe racismo e as pessoas parecem sempre regredir em questão disso.