Leonora Carrington foi uma pintora surrealista. Suas obras nos remetem a Dali e Frida Kahlo, com sua atmosfera sombria e elementos estranhos. Para sua escrita, Leonora consegue transportar esse surrealismo de forma poética, com reflexões ácidas e provocativas. Acredito que Leonora escreva o tipo de livro que o TikTok chamaria de "fumaceira".
La Posada del Caballo del Alba, 1937 |
As obras de Leonora transmitem a sensação de fuga da realidade através da arte e da imaginação. Refugiada da Segunda Guerra Mundial, Leonora passou por uma internação forçada em um hospital psiquiátrico. Suas expressões artísticas eram uma necessidade para ela, que já comparou o ato de pintar com o ato de comer. Conheceu a loucura de perto, mas afirmou ter conseguido escapar dela. De fato, Leonora parece ter sido uma figura fantástica e singular, que não exitava na hora de confrontar os valores vigentes, principalmente em se tratando do papel social da mulher. Com tudo isso em mente, como não desejar ver um pouco dessa personalidade forte em seu único romance, né?!
Artes, 110, 1944 |
Voltando ao livro: a corneta auditiva é apenas o primeiro de muitos elementos e objetos estranhos que aparecerão ao longo da história. Ao chegar na instituição para idosas, Marian se depara com uma construção estranha repleta de pessoas estranhas com regras e hábitos estranhos. Mistérios e enigmas vão surgindo e a história vai ficando mais louca a cada página. Mas não um louco confuso e difícil de entender. A loucura de A Corneta é divertida e cheia de simbolismos. Essas questões simbólicas parecem ser do gosto de Leonora, que, inclusive, adorava Tarot. Em muitos momentos durante a leitura eu percebi essa comunicação por sinais e símbolos, e foi legal ficar tentando seguir a linha de raciocínio da autora, pois é preciso embarcar um pouco na loucura da história para compreendê-la como um todo.
Eu adorei estar na mente de Marian. Ela é criativa e tem pensamentos interessantes e divertidos. Sua amiga, Carmella, consegue ter uma mente ainda mais estranha e as conversas entre elas eram divertidissimas. Fiquem com alguns pensamentos de Marian que eu destaquei durante a leitura:
Acho uma pena cometer suicídio depois de viver noventa e dois anos e não ter entendido nada.
Ninguém nunca ficaria entediado comigo, eu tenho alma demais.
Sofro muito com a ideia de que minha solidão possa ser tirada de mim por um monte de pessoas impiedosamente bem-intencionadas.
Estranho como a Bíblia sempre parece terminar em sofrimento e catástrofe. Volta e meia me pergunto como esse Deus tão raivoso e vingativo acabou se tornando tão popular.
Confesso que, depois da ida de Marian para o asilo, o livro me perdeu um pouco, por focar demais nos outros personagens e nos mistérios da instituição quando eu ainda estava desejando ver mais das reflexões de Marian. Por volta da página 150, o livro me ganhou de novo e foi muito interessante tentar desvendar os enigmas junto com a personagem. O desfecho do livro é incrível e conseguiu unir vários conceitos que eu amo e que não esperava encontrar aqui.
Terminei a leitura apaixonada pela Marian e pela Carmella e querendo ser amiga delas, querendo fazer parte desse grupo excêntrico e místico. A Corneta me fez refletir sobre o valor das coisas e sobre quem determina o valor delas. O valor dos animais, o valor da mulher e o valor da mulher idosa, por exemplo.
O livro conta com várias ilustrações, além de um belíssimo posfácio escrito por Olga Tokarczuk, autora de Sobre os Ossos dos Mortos e ganhadora do Nobel de Literatura. Inclusive, Olga diz, em seu texto, que "na ordem patriarcal, ao chegar à velhice a mulher se torna um incômodo ainda maior do que já era quando jovem" e eu não poderia expressar isso de forma mais concisa. De fato, foi uma deliciosa surpresa chegar ao fim dessa leitura e perceber que A Corneta é um livro feminista que apresenta ideias pagãs, além de ser um convite a liberdade e a excentricidade. É como se o livro dissesse: "Seja esquisito. Ser esquisito é legal".
A edição está linda, no padrão da Alfaguara. A ilustração da capa é da própria Leonora e transmite bem a vibe do livro. Gostei muito de ter feito a leitura desse clássico da literatura fantástica e de ter conhecido mais sobre essa artista.
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De fato, a princípio parece ser um drama familiar, e pode até ser mas tem essa parte do asilo, que parece ser divertida e cheia de mistério
ResponderExcluirAinda não tinha visto a expressão livro fumaceira kkk adorei e acredito que Layla da Colleen Hoover se encaixe
Eu também sou fã dos livros fumaceiros rs(adorei o apelido carinhoso pra gente doida que gosta de livro doido rs)
ResponderExcluirNão conhecia esse livro, mas já quero ser amiga dessas duas maluquinhas também e oh, que ilustrações!!!
Fiquei curiosa para ver mais!!!!
Listinha de desejados pra já!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Olá
ResponderExcluirNão conhecia esse livro e nem esse termo ,O livro trata de um tema bem real que é a situação de muitas pessoas idosas que muitas vezes são mandadas para o asilo mesmo contra a vontade deles.Tambem não conhecia esse termo livro fumaceira.Boa dica para quem gosta de livros assim ,feminista.