Portanto, quando eu tomei conhecimento da obra de Jorge Baron Biza, jornalista argentino nascido em 1942, fiquei curiosa e apreensiva sobre o que encontraria em seu único romance. Biza, na época, se autopublicou após ser sucessivamente rejeitado por diferentes editoras. O autor não queria que sua obra fosse lida como autobiográfica, pois, segundo ele, "o sofrimento não legitima a literatura". Bom, pode até não legitimar, mas que trás uma carga diferente, isso é inegável. E, no fim dessa resenha, vocês vão entender que há conexões entre a obra e acontecimentos posteriores a sua publicação que são difíceis de ser ignorados.
O Deserto e Sua Semente começa com uma mulher, Eligia, sendo atacada pelo ex-marido quando eles estão prestes a oficializar o divórcio. Arón, num ataque desprezível e misógino, joga ácido na mulher, desfigurando seu rosto e queimando sua pele. A partir desse episódio assustador e revoltante, vemos seu filho e narrador da história, Mario, vagando de hospital em hospital enquanto acompanha a mãe em sua reconstrução.
Mario é um narrador ligeiramente apático e alheio às situações, tornando difícil ao leitor saber o que ele sente com relação a tudo que está acontecendo. Nas poucas vezes em que Mario fala sobre seu pai (o agressor), ele relata que o homem era violento e que sentia medo dele. Toda a narrativa é feita de modo distante, o que não me agradou muito, pois prefiro narrativas mais focadas em sentimentos e subjetividade. Ao mesmo tempo, essa "indiferença" dá ao romance um tom de estranhamento. É difícil explicar, mas posso dizer que passei boa parte do livro me sentindo estranhamente distante da história por não conseguir me apegar aos personagens. Enfim, acho que o que estou tentando dizer é que faltou profundidade, faltou contexto e emoção. Achei a narrativa muito engessada, fria e distante. E os momentos em que o narrador, Mario, se desvia do assunto principal para falar de coisas totalmente desinteressantes e irrelevantes, como suas aventuras sexuais, me afastavam cada vez mais da história.
Por outro lado, esse livro foi um choque de realidade em vários momentos, como, por exemplo, quando eu descobri que o ácido continua agindo dias depois de entrar em contato com a pele. Isso significa que, diferente de uma queimadura com fogo, no caso de queimadura por ácido, o paciente precisa aguardar mais tempo para receber o enxerto, pois, se não aguardar o tempo necessário, o ácido pode queimar a pele nova que é colocada por cima. Me dói pensar nessa informação, principalmente sabendo que esse tipo de ataque contra mulheres não é incomum. Basta uma pesquisa rápida no Google para encontrar diversas notícias de mulheres atacadas com ácido. Me pego pensando no que está por trás de um ataque desses. Não apenas o desejo de ferir ou mesmo de matar, mas o desejo de desfigurar, de tirar a identidade de uma mulher, de atacar sua imagem, sua autoestima.
Após atacar a mulher, Arón comete suicídio. Os detalhes sobre o relacionamento deles são escassos, mas percebemos que era uma relação abusiva desde o princípio. Anos depois, Eligia também se suicida, no mesmo apartamento onde o ex-marido se matou. Mais tarde, foi a vez da irmã mais nova de Jorge cometer suicídio. Jorge escreveu que as pessoas corriam para fechar as janelas toda vez que ele entrava num apartamento alto, pois previam que uma vida marcada pela violência não sairia ilesa. Infelizmente, estavam certos, mas não puderam evitar: Três anos após a publicação do livro, Jorge comete suicídio. Uma sequência lamentável de acontecimentos violentos e trágicos marcam essa família. Jorge tinha apenas 22 anos quando precisou acompanhar sua mãe desfigurada em busca de reconstruir sua identidade. Que sequelas uma coisa dessas pode deixar em alguém?
Apesar de não ter gostado tanto do livro, por achar que o texto poderia ter focado mais em outros aspectos, eu gostei de ter feito essa leitura e de ter pesquisado mais sobre a vida do autor e de sua família. Um triste exemplo de como o machismo destrói vidas e mata famílias inteiras. Apesar de esse não ser o viés do autor, foi o meu, e tudo bem, porque a arte está sempre aberta a interpretações.
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Acredita que não conhecia o gênero autoficção?
ResponderExcluirConcordo nas suas ressalvas em relação a forma como o narrador conta a história. Esse distanciamento e aa poucas informações sobre o passado, prejudicam um pouco.
Chocante mesmo saber o estrago que o ácido faz....
Que triste ver o quanto essas ocorrências são reais e não só narrativas literárias. A forma da escrita talvez me prejudique um pouco também na hora de ler, mas fiquei curiosa para conhecer.
ResponderExcluirwww.vivendosentimentos.com.br
Mesmo que não seja um gênero que eu tenha intimidade, aliás, intimidade nenhuma, fiquei meio assim com a resenha. Esse distanciamento com a história, não seria algo proposital devido aos não sentimentos dos personagens?
ResponderExcluirSei lá..parece que em dias, momentos e afins, a gente se torna apenas alguém ali, plantado, sem sentir nada.
Me identifiquei e confesso que fiquei curiosa para ler!!!
Beijo
Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor
Olá
ResponderExcluirNão conhecia esse termo.Pela sua resenha entendi que o autor não focou em fatos importantes,ficou um livro meio vago . Quantos suicídios acontece nesse livro,que triste
Triste saber que mulheres ainda sofrem esse tipo horrível de violência.Lamentavel .
Autoficcao é praticamente uma distopia, aquelas kkkkcrying
ResponderExcluirSim, quase sempre vai vir um assunto dificil aí.
Nao conhecia esse livro antes do post, n tinha visto essa capa por aí
Achei bem interessante, e pesado tb.