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5 de dezembro de 2024

Intermezzo, de Sally Rooney, e tudo que acontece no interlúdio da vida


Intermezzo significa intervalo, interlúdio ou entreato. É uma palavra italiana muito utilizada no teatro e representa o intervalo entre dois atos. O termo também é utilizado no xadrez e pode indicar um movimento inesperado feito entre duas jogadas esperadas. Com base nisso, é possível fazer alguns inferências sobre o novo livro da Sally Rooney: não é um livro sobre grandes acontecimentos, mas um livro sobre o que acontece no meio, entre os atos principais. E isso fica claro quando descobrimos que o livro se inicia logo após a morte do pai dos protagonistas.

Peter e Ivan são irmãos, mas não se dão bem. Peter é um advogado de 32 anos, bem-sucedido, popular e que se encontra numa situação incomum: tem uma ex-mulher com quem mantém uma amizade próxima e uma ficante que é muito mais jovem do que ele. Ivan, por outro lado, é um jovem de 22 anos, prodígio no xadrez, introvertido e, nas palavras de seu irmão mais velho, "meio autista". Em um dos campeonatos de xadrez que participa, Ivan conhece Margaret, uma mulher bem mais velha com quem ele acaba se envolvendo.

O livro é narrado em terceira pessoa, alternando perspectivas diferentes. E, mais uma vez, assim como acontece em Pessoas Normais, Sally Rooney impressiona por seu estilo narrativo. Muitos acham o estilo de escrita de Rooney soberbo e pedante. Eu compreendo, mas discordo. É tão natural a forma como ela narra que eu não consigo acreditar que seja intencionalmente forçado. Sua narrativa me lembra Proust, com seus parágrafos enormes (alguns com mais de 7 páginas) e descritivos, e Virgínia Woolf, com seu fluxo de consciência que radicaliza o monólogo interior.

Sally narra tudo de uma vez, tudo junto, descrições de cena, pensamentos, sentimentos e diálogos. Seus diálogos, principalmente, geram opiniões divergentes. Sem parágrafo, travessão, sem aspas, nada que indique que aquilo seja uma fala de um personagem. E mesmo assim, tão fácil de compreender. Tão intuitivo. Foi o mesmo que eu senti em Pessoas Normais, que ela não precisava sinalizar os diálogos, pois eles se sinalizavam por conta própria.

Dizer que o livro é narrado em terceira pessoa pode causar uma impressão errada. Normalmente, livros narrados em terceira pessoa são mais impessoais e objetivos. Em Intermezzo, essa narrativa em terceira pessoa se mescla aos pensamentos dos personagens, fazendo com que a narrativa, em alguns momentos, seja em primeira pessoa.

Isso acontece principalmente nos capítulos do Peter. A narrativa traduz com maestria o estado emocional do personagem, confuso, perdido e caótico. Mais do que isso, a narrativa parece incorporar diferentes vozes presentes na mente de Peter, com pensamentos que se contradizem e ideias que são em seguida confrontadas. Os capítulos do Ivan são um pouco mais objetivos, ainda que também carreguem carga emocional.


A história se desenrola assim: Ivan e Peter, vivendo suas vidas, tendo poucas interações diretas, mas pensando e falando um do outro com frequência. De certa forma, a autora se utilizou de um recurso que ela já havia usado em Pessoas Normais: a falta de diálogo como base dos conflitos interpessoais. No entanto, eu achei que em Intermezzo isso ficou ainda mais realista, porque além de faltar diálogo, quando ele ocorre ele é atravessado, atropelado e acidentado. Há tanta mágoa, rancor, raiva, vergonha, arrependimento e ainda o luto pela perda do pai que, mesmo quando Peter e Ivan conversam, o que sai de suas bocas é improdutivo e conflituoso. Também é curioso que os irmãos interajam tão pouco ao longo do livro e que, mesmo assim, estejam tão presentes na vida um do outro.

Cada um tem uma opinião sobre o que acha que o outro pensa e a gente, que conhece os dois lados, fica numa ânsia de fazê-los entender que "SEU IRMÃO NÃO PENSA ISSO DE VOCÊ", ansiando pelo momento em que eles irão cair na real. Isso se der tempo de eles caírem na real. O livro todo carrega uma tensão sobre o que vai acontecer. Isso se dá principalmente porque Peter tem muitos pensamentos suicidas, desde o início do livro e a constante ameaça de um suicídio faz o leitor se perguntar quanto tempo ainda existe para que os irmãos se acertem.


Eu sou o tipo de leitora que adora odiar personagens, enquanto a Sally Rooney é o tipo de autora que adora criar personagens detestáveis. Então a gente combina bem. Todos os personagens aqui são fáceis de odiar, ao mesmo tempo que é fácil se identificar com eles. É fácil se identificar com a soberba do Peter e com o egoísmo do Ivan. As mulheres dessa história, por outro lado, são incríveis, mesmo que também tenham defeitos. Sylvia, ex-mulher de Peter, é doce e inteligente. Naomi, sua namorada, é vivaz e selvagem. Mas a minha favorita foi a Margaret, centrada e compreensiva. Nas palavras de Ivan: "ela entende tudo".

Particularmente, eu gostei mais do Ivan. Sua personalidade introspectiva e inocente me conquistou. No entanto, os capítulos do Peter foram os meus preferidos, pois tinham uma carga psicológica maior. Eu confesso que comprei um lado nessa história desde o começo, mas Sally foi capaz de me surpreender ao me provar que, na maioria das vezes, não existe certo ou errado quando estamos falando de relações humanas. Ambos, Peter e Ivan, erraram. Alguns erros foram piores que outros, mas não deixam de ser erros. Eu me emocionei em muitos momentos do livro. As reflexões sobre o sentido da vida (ou a ausência dele) foram muito tocantes pra mim. O final também foi muito comovente e até me arrancou uma lágrima discreta. 

Mas não pensem que o livro é só reflexão e filosofia, pois tem muito mais do que isso, tem romance, inclusive com cenas hot, tem brigas, inclusive com pancadaria, tem muita discussão, ofensa, "vai se f...." e tudo mais. Eu amei amei amei, de verdade. Vou sentir falta dos personagens, que pareceram tão reais. Ao final do livro, a autora incluiu uma lista de citações e referências que ela utilizou em seu texto. Fica evidente que Sally tem uma bagagem grande de leituras e conhecimento. Terminei essa leitura com vontade de ler outro livro da Sally, já que, antes desse, eu só havia lido Pessoas Normais. Estou realmente apaixonada pela escrita da autora.

Por fim, gostaria de enaltecer o trabalho da equipe editorial da Companhia das Letras, especialmente da tradutora, Débora Landsberg. Eu imagino que traduzir um texto com tanto fluxo de consciência não deva ser uma tarefa fácil.

Título Original: Intermezzo ✦ Autora: Sally Rooney
Páginas: 456 ✦ Tradução: Débora Landsberg ✦ Editora: Companhia das Letras
Livro recebido em parceria com a editora

3 comentários :

  1. Ainda não li essa Sally....
    Não faz muito meu estilo mas isso não me impede de apreciar o talento dela.
    Eu gosto muito de odiar personagens e ela, pelo visto, os escreve muito bem.

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  2. (Eu não consegui me identificar no comentário, mas quem tá comentando é a Amanda Oliveira)
    Eu não li o livro, mas me apaixonei por essa resenha. E pelo livro kkkk. A relação dos dois irmãos me lembrou um pouco a relação que eu tenho com o meu irmão. A gente quase não se fala, mas eu sinto que a gente ta sempre pensando ou falando um no outro. QUERO COMPRAR JÁ!!

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  3. Ainda não li S. Rooney, mas eu tinha uma ideia de leitura simples, não sei porquê. Lendo sua resenha achei muito complexo, uma leitura bem densa, estou entendendo agora o boom de Pessoas Normais. Fiquei curiosa! E tb adoro drama familiar, acho enriquecedores e fáceis de se identificar.

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